quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

No cartão ou no celular?


Com a chegada da concorrência, a Oi remodela seu programa de pagamentos por celular -- um serviço com poucos ganhos no presente, mas que pode ser decisivo no futuro

Celular no Japão: o aparelho já é utilizado até para pagar bilhetes nas estações de metrô.
Nos últimos três meses, a operadora de telefonia Oi mobilizou-se para o relançamento do Oi Paggo, seu serviço de pagamentos por celular. Uma equipe de 250 promotores de vendas visitou 100 000 lojas em 21 cidades das regiões Sudeste e Nordeste do Brasil, conversando com lojistas e propagandeando as vantagens do serviço. A publicidade em torno dessa nova ofensiva foi pequena -- afinal, era o relançamento de um produto colocado no mercado há apenas dois anos e não havia uma história de sucesso a ser contada. Lançado em julho de 2007, o Paggo nunca atingiu as metas estabelecidas. O plano da Oi era ter, até o final de 2008, 100 000 pontos de venda equipados e 2 milhões de usuários do sistema, que substitui cartões de crédito e débito como meio de pagamento de produtos e serviços. Mas, até abril deste ano, a rede credenciada para vender produtos via celular tinha apenas 72 000 estabelecimentos e o número de usuários não passava de 200 000. Trocando em miúdos: o Paggo não pegou. Embora o serviço contasse com uma tecnologia considerada inovadora e segura até pela própria concorrência, sua chegada ao mercado foi tumultuada por erros estratégicos e dificuldades que todo produto ainda desconhecido arrisca enfrentar. O desafio do relançamento parece ainda maior. O Paggo nasceu como a única opção do mercado e, agora, tenta deslanchar num cenário de concorrência que envolve outras operadoras de telefonia e instituições financeiras. "Pagamos o ônus do pioneirismo, mas nosso serviço ainda é o melhor. Pretendemos popularizar o Paggo de tal forma que ele passe a ser o padrão", diz Roberto Rittes, diretor de meios de pagamento da Oi.

A questão sobre qual padrão de funcionamento vai prevalecer é essencial para definir os rumos desse mercado, à semelhança do que aconteceu nos primórdios do videocassete, quando havia uma discussão sobre se o melhor formato era o BetaMax, da Sony, ou o VHS, da também japonesa JVC. Em países africanos onde o pagamento por celular é um sucesso, o sistema se parece com o da Oi, no qual a compra é feita pela comunicação entre dois aparelhos. No Paggo, o lojista manda o pedido de aprovação da compra via mensagem de texto e o usuário a autoriza digitando a senha. É a própria operadora que envia a fatura, faz a análise, dá o crédito e tem de cobrar, depois, os inadimplentes. Já no Japão, mercado no qual metade dos donos de celular usa o telefone para pagar contas, domina um padrão mais parecido com o que está sendo lançado agora pela Vivo, em parceria com Itaú e Redecard. O número do celular substitui o do cartão de crédito nas maquininhas que as lojas já têm e o cliente usa o telefone apenas para digitar a senha. A conta vem na fatura do cartão de crédito, o que libera as telefônicas de operar como bancos. Há ainda um terceiro modelo, lançado pelo Banco do Brasil e pela Visa, que funciona basicamente como uma mistura dos dois primeiros e pode ser usado com qualquer operadora. "Ainda é cedo para dizer qual sistema vai prevalecer", diz Raul Moreira, gerente de cartões do Banco do Brasil e integrante do grupo que estuda o assunto na Febraban, a federação que reúne os bancos. "Mas está claro que a barreira tecnológica não existe mais."

Sem a vantagem de estar sozinha à frente em tecnologia, a Oi não pode se dar ao luxo de repetir os erros do começo. O primeiro foi apostar que a adesão dos lojistas seria rápida e fácil. Como já possuía até duas máquinas de cartão de crédito, pelas quais pagava taxas de aluguel e de administração, a maioria dos comerciantes não viu vantagem em aderir a um serviço que ainda não tinha uma base grande de clientes e que também cobrava taxas de administração, ainda que menores. A equipe inicial incumbida de disseminar o serviço era formada por apenas 60 pessoas, responsáveis por credenciar restaurantes, lojas, drogarias, hotéis e todo tipo de estabelecimento nos 16 estados onde a Oi atuava. Com um time reduzido, o processo tornou-se muito mais lento do que o esperado. Mesmo os estabelecimentos que aderiram ao sistema não tinham funcionários bem treinados para usá-lo, o que fez com que uma transação que deveria ser prática e rápida se transformasse num desafio à paciência. Aos poucos, também ficou claro que a Oi havia oferecido o serviço a clientes errados. Os usuários que receberam as primeiras ofertas de adesão já tinham cartão de crédito e não se interessaram. Ao mesmo tempo, a maior parte dos que buscavam voluntariamente o serviço tinha o crédito negado após a avaliação de risco. Apenas 15% do 1,3 milhão de clientes que se interessaram pelo produto no primeiro lançamento teve o crédito aprovado. Justamente por não ter experiência na concessão de crédito, a operadora passou a cobrar taxas de juro ainda mais altas do que as dos cartões.

Na nova estratégia, a Oi dará atenção especial à classe C. No roteiro da equipe de vendas que trabalha no relançamento estão pequenos varejistas e pontos de táxi. Os procedimentos para a análise de crédito foram reformulados e as equipes passaram a oferecer linhas de crédito pré-aprovadas. Um novo produto Paggo, que torna possível carregar o celular com créditos para gastar nas lojas, será lançado até o fim do ano. Um novo logotipo, mais chamativo, foi desenvolvido e funcionários dos estabelecimentos credenciados receberão treinamento. Entre abril e junho, 8 000 novos pontos de venda entraram para a rede e a média de transações no sistema aumentou 35%. É um avanço, mas ainda muito pequeno, considerando-se o tamanho das verdadeiras concorrentes do Paggo, que não são as outras operadoras, mas sim as empresas de cartão. A Redecard, que filia lojas para a bandeira Mastercard no Brasil, tem 1,2 milhão de lojas e realiza uma média de 75 milhões de transações de crédito por mês. A Visanet, responsável pelo credenciamento de lojas para a marca Visa, está em 1,5 milhão de estabelecimentos e faz mensalmente 140 milhões de transações. Ambas pesquisam a melhor forma de entrar no mercado de pagamentos via celular há pelo menos dois anos e, segundo seus executivos disseram a EXAME, só não tinham apostado pesado no filão porque ainda não estavam certas de qual o melhor padrão para fazê-lo.

Embora o início tenha sido difícil, ainda há tempo para a Oi convencer o mercado de que seu sistema é o melhor. Mas a janela está se fechando. As administradoras de cartão e os bancos, que patrocinam um grupo de estudos a respeito na Febraban, devem chegar a um consenso sobre o melhor modelo tecnológico em poucos meses. Segundo os analistas do setor, não é credenciando lojinhas que a Oi vai sobreviver e convencer a concorrência de que seu modelo deve ser adotado. "Para emplacar, será preciso abrir o serviço para outras empresas de telefonia e firmar parcerias com as administradoras de cartão", diz Julio Puschel, consultor do Yankee Group. "A briga para credenciar lojistas é muito acirrada entre as administradoras, que podem esmagar a Oi em pouco tempo." Mesmo no mercado japonês, modelo que todos querem copiar, o celular é o meio, mas os clientes escolhem se querem ser cobrados pelo banco ou pela operadora. "Parcerias serão inevitáveis", diz Rittes, o diretor responsável pelo Paggo. A questão, pelo jeito, é saber por quanto tempo a Oi conseguirá resistir sozinha ao ataque da concorrência.



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