domingo, 4 de dezembro de 2011

Família de Carmen Miranda Profissionaliza Gestão da Marca


Carmen Miranda: 56 anos após sua morte, sua imagem recebe em média 20 pedidos de uso por semana
RIO - No fim do mês passado, depois de ver desandar um contrato milionário que daria à loja de departamentos americana Macy’s o direito de usar a imagem de Carmen Miranda numa nova coleção de roupas, os herdeiros da Pequena Notável caíram em si: a "marca" é grande demais para ser administrada por eles. São em média 20 solicitações de uso de imagem por semana, que vão de biquínis a livros infantis, passando por geladeiras, filmes, chinelos e joias, mais cinco processos que se arrastam na Justiça envolvendo usos indevidos e confusões de licenciamento.
Dois anos após anunciarem a fundação da Carmen Miranda Administração e Licenciamento, empresa familiar criada para cuidar dos contratos em torno do nome, da imagem e da voz da artista morta em 1955, aos 46 anos, os quatro sobrinhos de Carmen jogaram a toalha. Entregaram a gestão de seus interesses à UP-RIGHTS, empresa que cuida dos direitos autorais de Zeca Pagodinho e Beth Carvalho, entre outros. Mas fazem questão de avisar: não estão entre os herdeiros encrenqueiros que povoam o noticiário cultural. Querem negociar.
O maior desafio é pôr fim a um imbróglio que se arrasta há 14 anos. Em 1998, a produtora Paula Lavigne comprou por US$ 200 mil a exclusividade sobre os direitos biográficos de Carmen para fazer um filme sobre a vida dela. Pagou US$ 20 mil de entrada mas, pouco antes de quitar a segunda parcela, descobriu que havia outra produção semelhante à sua em curso (do produtor Aníbal Massaini). Depositou os US$ 180 mil restantes em juízo e tentou rescindir o contrato. Uma pendenga judicial se montou em torno do assunto, atravancando boa parte dos projetos envolvendo Carmen. Por conta do caso, deixaram de decolar, por exemplo, um musical com Daniela Mercury no papel principal, uma minissérie de TV com Carlos Manga e até mesmo um filme com o cineasta espanhol Pedro Almodóvar.
— Vamos chamar a Paula para uma conversa amigável o quanto antes — adianta ao GLOBO Anna Paula Carvalho, gerente jurídica da UP-RIGHTS. — Queremos solucionar de uma vez por todas a questão do filme que ela faria e que emperra outras produções relacionadas à artista. Vamos estimular a Paula a fazer o filme ou a aceitar ter uma participação nas outras empreitadas que estão a caminho.
Contactada pela reportagem em Nova York, a produtora comemorou:
— Finalmente vou tratar com profissionais! Com gente que fala a minha língua! É do meu total interesse resolver essa questão.
Paula não descarta a possibilidade de realmente filmar a vida de Carmen:
— Tenho até espaço na agenda!
Carlos Manga também se animou:
— É a chance de eu finalmente realizar o sonho da minha vida e de cumprir a promessa que fiz à própria Carmen de contar a história dela na TV.
Com a nova estratégia, os herdeiros esperam fortalecer a imagem da tia e se livrar do peso da burocracia em torno do assunto, incluindo complicadas negociações de cifras e cláusulas contratuais, muitas vezes com estrangeiros, como no caso da Macy’s. De quebra, claro, devem engordar o cofre. Cinquenta e seis anos após sua morte, Carmen ainda pode faturar alto.
— Mas não importa o dinheiro que vamos tirar disso — diz a sobrinha Maria Paula Richaid, porta-voz da família. — Quero arrumar a casa.
Uma das primeiras medidas a serem adotadas em benefício dos herdeiros é aumentar a arrecadação de direitos conexos de Carmen Miranda. No último ano, a família da cantora, que fez mais de 20 filmes, conquistou Hollywood com frutas na cabeça e foi o primeiro ser humano a contracenar com personagens de Walt Disney, recebeu apenas R$ 3 mil de direitos em música no Brasil.
— Fomos tentar entender o porquê desse valor ínfimo e descobrimos um descalabro: Carmen não é representada por nenhuma sociedade de direitos no exterior — conta a gerente-jurídica Anna Paula Carvalho. — Vamos cadastrá-la o quanto antes na Europa e nos Estados Unidos.
Segundo os cálculos de Anna Paula, Carmen Miranda tem potencial para arrecadar cerca de R$ 100 mil por ano, somando os direitos no Brasil e no exterior.
Também estão nos planos da família ir além dos convites e criar, ela própria, produtos com o selo Carmen para oferecer ao mercado.
— Ela lançou a plataforma (salto alto), mas nunca vi uma coleção em sua homenagem. Vamos trabalhar nisso e correr atrás de empresas interessadas — adianta Anna Paula. — Outra ideia é montar uma linha de maquiagem em torno de Carmen, que sempre usou muitos produtos.
Ações na Justiça
A imagem da Pequena Notável parece vender tudo. Entre as marcas licenciadas, segundo o site da artista (www.carmenmiranda.com. br), há desde camisetas de malha da marca Malwee a geladeiras da Brastemp.
— Carmen é tão poderosa que virou até nome de uma rede de hortifrutigranjeiros na Espanha! — conta a sobrinha Maria Paula Richaid, que é filha da cantora Aurora Miranda, irmã mais nova de Carmen, morta em 2005. — Infelizmente esse uso não tem nossa autorização e precisará ser revisto, sempre amistosamente.
Na Justiça, além do caso Paula Lavigne, a empresa especialista em direitos autorais terá que lidar com outras quatro ações em torno de Carmen Miranda. Uma contra a Caixa Econômica Federal, que usou, sem a aprovação da família, uma imagem do filme "Alô, alô, carnaval" num bilhete de loteria. Uma ação de R$ 400 mil. Outra contra uma marca de roupas carioca que pôs à venda, também sem autorização, um chapéu que lembrava um turbante de Carmen. Os sobrinhos pedem R$ 356 mil.
Há, ainda, duas ações menores, em São Paulo, que, na opinião do novo escritório, sequer deveriam ter ido parar na Justiça. Uma tem como réu um restaurante que fez uma semana gastronômica com o nome de Carmen. A outra é contra uma loja de biquínis que fez referências a ela em sua publicidade. Na primeira ação, os herdeiros pediram R$ 50 mil. Na segunda, R$ 130 mil. Perderam as duas em primeira instância.
Agora, os herdeiros querem que o mundo saiba que há uma empresa especializada representando a família de Carmen Miranda. E que ela é autorizada a negociar. Só não topa nenhuma associação com marcas de cigarro.
Se os projetos que chegaram na última semana à UP-RIGHTS forem fechados, estão no horizonte uma coleção de biquínis, um livro infantil com a história da artista, um projeto da cantora Ná Ozetti e, ao menos, duas campanhas publicitárias.
— É comum recebermos e-mails dizendo que Carmen é patrimônio nacional, insinuando que não deveríamos cobrar nada — diz Maria Paula. — Mas Carmen não é só do Brasil.

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